Os primeiros campos

Por Lucas Sousa

A história dos campos de futebol de Belo Horizonte conta como o esporte ganhou a capital mineira. Os espaços de jogo foram de pedaços de calçada desocupados a concessões com o apoio da Prefeitura. O que era apenas divertimento para os garotos da monótona cidade, em pouco tempo se transformou em assuntos tratados pelos políticos.

A prática do futebol em Belo Horizonte passou por pontos turísticos e endereços famosos. Locais como o Parque Municipal e o atual Mercado Central foram referências da cena do futebol na capital mineira em seus primeiros anos (Ver mapa). A história dos campos belo-horizontinos não foi planejada como a cidade, mas seguiu o curso que o jogo ia tomando nos seus primeiros anos de vida.

Parque Municipal: a primeira casa do futebol em Belo Horizonte

No projeto para a construção de Belo Horizonte, o engenheiro-chefe Aarão Reis delimitou mais de 550 mil metros para a construção de um parque municipal. O arquiteto e paisagista francês Paul Villon reservou para o local diversos atrativos, como coretos, uma cascata de seis metros, pequenas lagoas, milhares de árvores e arbustos. O que eles não esperavam é que alguns dos vários gramados fossem utilizados como campos improvisados para jovens correrem atrás de uma bola, dando início à história do futebol na cidade. Porém, antes de ser lugar do esporte, o espaço era o lugar da elite de Belo Horizonte.

Mapa Parque Municipal
Planta do Parque Municipal com seus jardins e lagoas. Fonte: Arquivo Público Mineiro

Símbolo do pensamento moderno que guiou a construção da cidade, o parque foi planejado para ser um dos principais parques do continente. Mesmo com todos os “luxos” pensados (mas não executados) para o local, como cassino e observatório meteorológico, o parque era um espaço público, aberto a toda população da nova capital de Minas Gerais. Mas só na teoria.

Euclides Couto, historiador e pesquisador da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), destaca que “a distribuição geográfica ordenada de acordo com a ocupação no trabalho, somada à especulação imobiliária na área próxima aos prédios públicos, principalmente nas ruas Espírito Santo, Guajajaras, Bahia e na Avenida Afonso Pena, tornou elitizada a área adjacente ao Parque Municipal”. Couto ressalta, ainda, a dificuldade de locomoção como fator que afastava aqueles que não eram elite de usufruir do parque. Na prática, o parque servia apenas à elite.

Não era de se estranhar que o ciclismo, primeiro esporte organizado de BH, se instalasse ali. Afinal, a bicicleta não era um luxo reservado a todos e o Parque já contava com pistas para a prática do esporte. Eram as condições necessárias para, em 1889, surgir o Velo Club, a primeira organização esportiva da cidade. O clube promoveu corridas de bicicleta, velocípede, a pé e natação nas lagoas até encerrar suas atividades em 1902. Apesar da breve existência, o Velo Club foi o expoente esportivo da cidade e introduziu a prática de atividades físicas no cotidiano da elite belo-horizontina.



Velo Club
Membros do Velo Club com suas bicicletas. Acervo Museu Histórico Abílio Barreto

Assim, quando o carioca Victor Serpa pensou em lançar o futebol em Belo Horizonte, o caminho natural foi o Parque. Serpa havia passado uma temporada na Suíça, curso natural para os filhos da elite brasileira na época, onde conheceu o football e chegava a Minas Gerais para estudar Direito. Na mala, trouxe consigo as regras do jogo inglês e logo tratou de inseri-lo na sua nova cidade. No dia 3 de maio de 1904, a bola rolou pela primeira vez. Não foi um jogo ou treino, apenas uma pequena exibição do novo esporte. O campo foi improvisado no gramado do Parque Municipal, próximo de onde hoje se encontra o Teatro Francisco Nunes.

Em 10 de julho daquele ano, Victor Serpa fundou o Sport Club, primeiro clube da capital. A ele se seguiram outros quatro: Plinio Football Club, Clube Athletico Mineiro (que não é o atual), Mineiro Football Club e Brazil Football Club. Todos eles tinham em comum o caráter elitista e se fechavam à participação de membros que não tivessem considerável poder aquisitivo. Além de se apropriarem de um espaço frequentado pelos ricos (o Parque Municipal), cobravam altas taxas de mensalidade.



Sport Club
Victor Serpa (sentado, com a bola nos pés) e os jogadores do Sport Club. Fonte: Arquivo Público Mineiro

As primeiras exibições do futebol na capital foram bem recebidas pelo seleto público. O jornal Minas Geraes noticiava um jogo entre duas equipes do Sport Club “perante tão numerosa quão fina roda de distinctos sportsmen e gentis sportswomen”. Em pouco tempo, os representantes do Sport Club, Plinio Football-Club e Athletico Mineiro organizaram uma “Liga de grêmios sportivos” e lançaram o primeiro campeonato da cidade.

Dado o baixo número de clubes para a disputa, o Sport Club enviou duas equipes (Américo e Vespúcio) e o Mineiro Football Club, que não fazia parte da entidade, foi aceito na competição.

Em outubro de 1904, o Parque Municipal recebeu o campeonato. Seu desfecho foi incerto, já que os escritos da época não esclareceram o que aconteceu. O jornal Vida Sportiva, em edição de 1927, sustenta que a competição não terminou devido às fortes chuvas de novembro. Já Abílio Barreto, jornalista e memorialista da cidade, afirma que o título ficou com o Vespúcio, equipe de Victor Serpa.

De qualquer forma, o primeiro campeonato da Liga atingiu algum sucesso. O Minas Geraes destacava partidas com “numerosos espectadores” e que “cresceu enormemente o enthusiasmo pelo omni-importante torneio”. Eram indícios de que o futebol estava conquistando a população da nova capital e adquirindo alguma estrutura para crescer. Mas o esporte que começava a fincar raízes em Belo Horizonte sofreu um duro golpe no começo de 1906.

Victor Serpa, passando férias no Rio de Janeiro, morreu após uma gripe. O baque foi considerável e o campeonato da Liga não teve continuidade. As notícias sobre o esporte já não eram tão frequentes, clubes se fundiam e diminuíam a mensalidade para atrair mais sócios. No ano seguinte, quase não se noticiava sobre o esporte e, em 1907, todos os clubes pioneiros haviam encerrado suas atividades. Era evidente que o jogo trazido por Serpa não era o mesmo sem ele.

O futebol só voltaria a ganhar relevância em 1908, com a fundação de dois novos clubes: o Sport Club Mineiro e o Athletico Mineiro Football Club (atual Clube Atlético Mineiro).

O Sport Club foi fundado em março de 1908 por membros da alta sociedade. O clube prometia oferecer diversas modalidades esportivas, como ciclismo, corrida, esgrima, tiro ao alvo e, claro, futebol. A proposta agradou ao prefeito Benjamin Jacob, que “não só aplaudiu francamente a idéa daqueles moços como prometeu facilitar, em tudo o quanto fosse possível, a manutenção e o desenvolvimento do sport nesta capital”, segundo menciona o Diário de Notícias. Era uma maneira de fomentar o hábito esportivo e ajudar na retomada do futebol na cidade.

O prefeito cumpriu sua promessa e o Sport Club Mineiro ganhou uma área no Parque Municipal para demarcar seu campo, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina da UFMG. Neste campo aconteceu a primeira partida interestadual em Belo Horizonte. Em 12 de setembro de 1910, o Riachuelo Football Club, do Rio de Janeiro, derrotou o Sport por 4 a 1.

Já o Athletico foi fundado por adolescentes, também membros de uma classe mais abastada. Em 25 de março de 1908, o grupo de garotos matou aula e se reuniu no coreto do Parque, local de encontro aos finais de semana, para colocar em prática a ideia tida no domingo anterior: fundar um time de futebol. O Athletico nasceu dentro do Parque Municipal e, por aproximadamente um ano e meio, realizou seus treinos por lá. Aqueles garotos, entretanto, já jogavam suas peladas nos espaços da cidade, em terreno na Avenida Afonso Pena.

Além do Parque: o futebol ganha as ruas da cidade

O Parque Municipal estava ficando pequeno para o futebol. O jogo de bola trazido por Victor Serpa em 1904 começava a se espalhar pelas ruas de Belo Horizonte já na década seguinte. O esporte crescia tão rapidamente que incomodava alguns, a ponto de uma publicação da revista Pan d’Ega afirmar que “o mal invadiu todos os bairros, transformando a cidade num vasto campo de exercício, em que até as pernas ocupadas dos transeuntes servem de goal”.

No entanto, não era a primeira vez que o futebol saia do Parque. Em 1905, o Viserpa Foot-ball Club ocupou um campo entre as ruas Paraíba e Pernambuco, próximo à Avenida do Contorno, limite da cidade. Já o Sport Club, um ano depois, tentou a concessão de um terreno na Avenida Paraopeba (atual Avenida Augusto de Lima), no atual Minascentro, onde o time jogava havia aproximadamente dois anos. Embora o time tivesse investido para desaterrar, nivelar, gramar e cercar o espaço com arame, o pedido foi rejeitado, provavelmente por conta do período de baixa do futebol em BH.

Os campos de Sport e Viserpa foram casos isolados e sem continuidade, já que ambas as instituições não tiveram vida longa. A tendência de espalhar os campos por Belo Horizonte só apareceria alguns anos mais tarde, com um público maior e a criação de novos clubes. Nesse movimento posterior de ocupação da cidade, América, Athletico Mineiro e Yale foram os nomes de maior destaque.

O primeiro local utilizado pelo América ficava na Rua Timbiras, em um espaço que pertencia a Prefeitura. Não era de terra ou grama, mas de macadame, tipo de pavimentação feita com pedra e areia compactadas. A estrutura do campo estava longe do ideal: a superfície provocava constantes machucados nos jogadores, as “traves” eram improvisadas com montes de pedra e as linhas laterais não eram delimitadas. Não era um campo de futebol propriamente dito, mas sim um terreno aberto que permitia aos garotos chutarem a bola e marcarem gols.



América 1912
Uma das primeiras composições do América, em 1912. Acervo Museu Histórico Abílio Barreto

O clube só mudaria de local no ano seguinte, em 1913, partindo para as proximidades do córrego do Leitão, ainda na Rua Timbiras. O espaço desterrado já havia sido utilizado por outros clubes e contava com um barranco improvisado como arquibancada. Já o campo de jogo não oferecia as melhores condições, mas certamente já representava uma melhora em relação ao anterior. A vida do América neste campo foi curta, já que em setembro daquele mesmo ano o time mudaria pela segunda vez.

Passando por dificuldades financeiras, o Minas Gerais, fundado em 1911, se fundiu com o alviverde. O América recebeu os jogadores do clube no seu quadro e o campo onde jogavam, na antiga Avenida Paraopeba, que, aos poucos, ia se tornando o centro do futebol belo-horizontino (Ver mapa). Quando o América chegou ali, um outro clube já fazia a bola rolar na região.

O Yale foi fundado em 1910 e desde o início se instalou no Barro Preto. Embora houvesse alguns sócios mais abastados, a maior parte do clube era formada por membros da classe operária de Belo Horizonte, situação diferente das outras instituições da época. O clube nasceu em um período em que o futebol estava ressurgindo na capital e logo no ano seguinte teve a concessão do seu campo pela Prefeitura.

Nesse terreno, o Yale construiu arquibancadas e fez um pequeno “estádio”. Por algum período, este foi o principal espaço do futebol em Belo Horizonte. Foi também o local que recebeu o primeiro em que se cobrou ingresso na capital, em 17 de julho de 1911: Yale x Morro Velho, esquadrão de Nova Lima formado por jogadores ingleses. O ingresso custava mil réis e a partida teve grande apoio da crônica esportiva, que promovia o encontro como uma verdadeira festa. Ao final, os visitantes venceram por 1 a 0.

O clube do Barro Preto também promoveu outros eventos e se destacou como grande incentivador do esporte em Belo Horizonte. Ainda no mesmo ano trouxe o América FC, um dos principais representantes do Rio de Janeiro, para um amistoso. O jogo terminou 1 a 0 para os cariocas, mas teve apenas um tempo de jogo por conta da forte chuva que alagou o campo. Em outro confronto amigável, frente ao Mackenzie College, de São Paulo, arrecadou fundos para a maternidade da capital mineira.

Nesse mesmo período, o Athletico chegou à Avenida Paraopeba. O campo do clube era o mesmo que o Sport Club havia tentado a concessão, em 1906. Cinco anos depois, em outro contexto, o prefeito Olinto Meirelles cedeu o terreno para ser mais um espaço do futebol na cidade. De acordo com a Lei nº 121 de 18 de outubro de 1916, o Athletico estava autorizado a “estabelecer o seu campo de esporte e, de acordo com a legislação em vigor, effectuar a construcção de archibancadas e outras obras necessárias aos seu fim”.



Campo do Athletico
Campo do Athletico, no atual Minascentro. Fotografia: Higino Bonfioli. Acervo Museu Histórico Abílio Barreto

Antes de se mudar para a Paraopeba, porém, o Athletico teve seu primeiro campo bem próximo dali, na Rua Guajajaras. A situação alvinegra guardava semelhanças com a do América. Times fundados por garotos, seus primeiros campos eram terrenos desocupados improvisados para a prática esportiva. Segundo o jornalista Adelchi Ziller, o campo atleticano era um terreno irregular, sem linhas laterais e que não passava de 30 metros de largura e 70 de comprimento.

A conquista de um espaço na Paraopeba foi importante para a reputação do clube. Fundado por garotos, o Athletico não tinha tanta visibilidade no meio esportivo, situação que mudou após conseguir o campo. O local de jogo era um dos melhores da cidade, o que despertava o interesse de outros times em atuarem lá. Em 1913, o América derrotou o Santa Cruz por 2 a 0 no “no field do Athletico Mineiro, gentilmente cedido ao Ámerica pela sua diretoria”, conforme noticiou o Estado de Minas.

Um acontecimento que veio para retificar a febre do futebol e impulsionar seu desenvolvimento foi a criação da Liga Mineira de Sports Athleticos, em 1915. A Liga era formada por representantes dos clubes eleitos e era a responsável por organizar o calendário do futebol em Belo Horizonte. Com as equipes se multiplicando, o público crescendo, a divulgação dos jornais e a criação de uma liga, a realização do primeiro campeonato era apenas questão de tempo. Ainda naquele ano de 1915, a taça estava em disputa. Os jogos, porém, não ocorreram nas diferentes esquinas da cidade, mas sim em “campo neutro”: o Prado Mineiro.

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